domingo, 9 de setembro de 2012

UNI PACHAKUTI, o dilúvio americano

Chegando à América, os cronista europeus ouviram todos o mesmo eco de um terrível DILÚVIO. A tradição oral a seu respeito era geral, desde as terras nórdicas dos pele-vermelhas até as possessões austrais dos Tehuelches, na Terra do Fogo.
 
Em sua “História da Cultura Peruana”, Atílio SIvirichi faz o balanço deste mito espalhado por todo o novo continente. O auto observa que    “as características especiais que o dilúvio adquire confirmam a hipótese de um dilúvio provocado por catalismos geológicos”. A arqueóloga peruana Rébecca Carrion Cachot fala de “certos fenômenos que revolucionaram todo o continente e deixaram traços palpáveis em sua amplitude”. Erupções vulcânicas acompanhadas de sismos e de chuvas torrenciais surpreenderam os velhos povos que vivam então “a idade do ouro de uma prosperidade marcada pelo desenvolvimento intensivo das belas-artes, especialmente de uma arquitetura monumental que não teve rival nos séculos vindouros”.
 
O padre Ávila ouviu dos indígenas de Cusco que tinham lembranças de “cinco dias de obscuridade” durante o dilúvio. Todas as versões dos cronistas coincidem no fato de que o mundo foi imerso nas trevas depois de um dilúvio.
 
Uma tradição ZUNI, recolhida por G. W. James, declara que “a despeito das advertências Daqueles do Alto, seus ancestrais perseveraram em suas práticas até que o Povo das Sombras resolveu apagá-lo da superfície da terra. As duas grandes fontes de água do mundo foram abertas: o reservatório do alto, de onde tombam as chuvas, e aquele de baixo, que alimenta as fontes, rios e regatos. As chuvas abateram-se e os rios transbordaram até que os Zuni refugiaram-se às presas sobre o cume do Tai-yo-al-la-ne (Monte do Trovão).
 
“O medo invadiu o coração de todas as pessoas. Em vão os sacerdotes cantaram, dançaram e fizeram grande fumarada; a cólera Daqueles do Alto não se acalmou. O chefe dos sacerdotes resolveu, então, retirar-se para o mais alto cume da montanha sagrada e ali meditar e interceder em favor de seu povo. Quando voltou, trazia uma resposta: Aqueles do Alto pediam o sacrifício do mais belo dos rapazes e da mais encantadora das moças.
 
“Ainda hoje, quando os Zuni contemplam o nascer ou o por do sol no cume da Montanha Sagrada, conseguem distinguir duas silhuetas em pé”.
 
Os YOWAS, que “viviam numa ilha onde nasce o Sol”, segundo suas crenças mais antiga, foram desalojados dela por um dilúvio que engoliu a maioria dos seus antepassados. O Grande Espírito precisou criar um novo casal do qual eles descendem.
 
A cosmogonia americana dá um lugar preponderante às diferentes idades geológicas que aparecem divididas em “sóis”. Padre Toríbio de Matolinia indica que os MAIAS contavam cinco idades ou sóis. A primeira delas é NAHUI-ATL, o Primeiro Sol desaparecido sob as águas que afogaram todas as pessoas. Segundo o Codex Chimalpopoca, “a duração deste Sol foi de seiscentos e setenta e seis anos, ao fim dos quais os homens foram em um só dia transformados em peixes. As montanhas desapareceram sob a água, que ficou tranqüila durante cinqüenta e duas primaveras”.
 
Segundo Pedrarias de Ávila, os indígenas de Santa Cruz, perto do Golfo de Araba, falavam de um grande senhor chamado Chiripa, que fez cair do céu a “grande chuva”. No Yucatã, um casal e seus filhos salvaram-se do dilúvio em uma canoa. Os indígenas das Caraíbas atribuíram a catástrofe ao pássaro íbis, que “revirou a Terra de cima para baixo”, formando um círculo de picos muito altos onde se refugiaram alguns indivíduos.
 
Os ARAWAK atribuíam o dilúvio a três grandes Espíritos: Mokanaima, Aimon-Kindi e Moerewana, que, batendo-se, desencadearam terríveis cataclismas de fogo e de água.
 
Na Colômbia, os CHIBCHAS conservam diversas crenças que se referem a fenômenos plutônicos. O mais importante remonta a Chibchacum que fez transbordar os rios Sopo e Tibito, formando um lago imenso. Refugiados sobre os cimos andinos, as pessoas imploraram o auxílio de Bochica, que lhes apareceu como um arco-íris. Com seu bastão de ouro, Bochica rompeu o Tequendama para que as águas pudessem escoar pela brecha. E condenou o Chibchacum a carregar o mundo sobre os ombros. Nesses altos montes dos Andes colombianos, geólogos encontraram esqueletos de animais pré-históricos que, fugindo das águas, morreram a 3.000 metros de altitude por falta de pastagem.
 
Os ACHAGUAS do Alto Orenoco acusam Catana, o dilúvio, de ter destruído todos os povos e os animais. Um grande lago subsistiu que, pouco a pouco, secando-se, forma ainda em nossos dias a laguna Catena-Manoa.
 
No Equador, o dilúvio ocupa um grande lugar sob o nome de HATUN TAMIAJUDNA PACHAPA, ou seja, “a época da Grande Chuva”. Este cataclismo teria sido provocado pela erupção conjunta de todos os vulcões da cinta do fogo do Pacífico, situados na linha do equador, que sopraram para o céu gigantescas colunas de vapor ardente. O ar saturado de nuvens sombrias e espessas, recaiu depois sob a forma de uma chuva diluviana, mortal para tudo quanto vivia. As correntes de alva obstruíram o curso dos rios que transbordaram, criando lagos que não cessavam de crescer. Levado pelas águas – o que lhe valeu o nome que intriga tantos americanistas ainda hoje – apareceu então um mensageiro de cabeça resplandecente, trazendo uma longa barba tão branca quanto a túnica longa: VIRACOCHA, que trouxe aos sobreviventes do cataclismo o reconforto da palavra e das leis estruturais para restabelecer a ordem da vida. Antonio de la Calancha menciona que em Gonzamana, no Equador, venerava-se um rochedo que guardaria a impressão das mãos de Viracocha.
 
Entre os CAÑARI, contasse que dois irmãos sobreviveram ao dilúvio subindo até o alto do Huayñan. Em Quito fala-se de Atacorupaqui e Cusicayo que também teriam sobrevivido no alto do monte Wakayñan. Ali, eles forma alimentados por dois guacamayos (papagaios). Os dois papagaios transformaram-se, por fim, em duas mulheres que revelaram terem sido enviadas por Viracocha. Por isso os Cañari veneram essas aves até hoje, depositando-lhes oferendas no alto do Wakayñan.
 
 
Marcos de Niza fala de uma outra versão equatoriana para o dilúvio: “Em tempos muito antigos, houve um naufrágio geral dos homens que foi provocado por uma enorme serpente que um caçador havia transpassado com suas flechas. A serpente vomitou uma tal quantidade de água que a terra inteira ficou recoberta por ela. Apenas uma mulher, chamada Pacha, e seus três filhos sobreviveram subindo ao alto do Pichincha, vulcão que domina a capital do Equador.
 
 
Entre os GUANARI o dilúvio chama-se IPORO; dele, apenas um casal sobreviveu refugiando-se no algo da Serra do Mar – uma muralha que se ergueu para deter o avanço das águas. Para os TUPI, o responsável pelo dilúvio foi Irinmaje, tentando apagar o fogo de Monan. Já os consideram o dilúvio obra de Anatiwa; os sobreviventes foram salvos por uma galinha d’água, que os guiou até o Pico Saracura... e depois lhes trouxe comida e sementes para fazer suas hortas.
 
Os ARAUCANOS atribuem a inundação à “guerra que se fazia entre duas gigantescas serpentes: uma habitava as grutas do monte Ten-Ten, um cume sagrado; a outra, nas profundezas do Caicai-Vilu. O Ten-Ten avisou os homens que o mar iria transbordar, mas eles não lhe deram crédito. Caicai fez, então, o mar subir e recobrir a terra, mas Ten-Ten fazia crescer os montes, para se erguerem acima das águas. Muitos homens tornaram-se seres aquáticos – baleias, atuns, peixes-espada, lisas, robalos, e Ten-Ten os ensinou a nadar”. Desde essa época, muitos povos no atual Chile, trazem nomes de peixes e mamífero aquáticos.
 
Os povos do Chaco argentino tem numerosos mito diluvianos. Em plena noite, para escapar à inundação, os homens, os avestruzes e os guanacos escalaram as montanhas. Em coro eles suplicavam ao Sol para iluminar seu caminho, para que eles não afundassem nos lagos de lama. O Deus enviou-lhes, então, a Lua que, caminhando sob a chuva, segurava em suas mãos uma tocha. Mas a água abundante enfraqueceu sua luz e é por isso que a Lua, atualmente, ilumina com um fogo fraco e sem calor.
 
Em TIAHUANACO o tempo geológico também eram dividido em sóis. O primeiro é o Sol da Água Diluviana. O padre Cristobal de Molina conta, em seu “Rito e Fábulas dos Incas”, de 1572, que os indígenas de Tiahuanaco diziam que antes do cataclismo, “os lhamas, guanacos e outros animais domésticos mostraram-se tristes. Dias e noite sem comer, eles olhavam para o céu. Um pasto que noto isso reuniu seus seis filhos e seu rebanho e conduziu-os para o mais alto cerro de ANKASMARKA, de onde eles contemplaram as chuvas que caiam interminavelmente. As águas elevavam-se sem cessar, porém a montanha também crescia. Este sobreviventes do desastre pudera repovoar a província”. Os KUYOS, de Pisac, no Vale Sagrao do Urubamba, afirmam ser os descendentes do pastor do Calca.
 
Francisco de Ávila nota a mesma tristeza lendária dos animais dos Andes, “até ao transbordamento do mar que recobri a terra”. Um só homem sobreviveu subindo o Villacota, na região de Huarohiri. Segundo outra versão, quem sobreviveu foi um casal, dentro de uma caixa de madeira, que, no final da inundação, “o vento os atirou para Tiahuanaco, a setenta léguas de Cuzco”.
 
Sarmiento de Gamboa informa que os andinos chamavam o dilúvio de UNI PACHACUTI, que significa “a destruição do mundo pela água” ou ainda, “a água que revoluciona o mundo”. Segundo ele, choveu durante sessenta dias e sessenta noite e tudo desapareceu. Entretanto, “pode-se ver nas ruínas de Pukara, situada a dez léguas do lago sagrado, as forma daqueles que foram petrificados por Viracocha em memória desse feito”.
 
Antônio de la Calancha fala do dilúvio em sua célebre “Crônica moralizada da Ordem de Santo Agostinho do Peru”. Segundo ele, os indígenas diziam que “o deus que criara o mundo e que eles chamam de Pachayachachic (O Senhor Invisível) foi desconsiderado pelos homens que adoravam as águas, as fontes, as montanhas, os rochedos, porque não fizeram mais caso do criador. Pachayachachic sofreu muito com tal afronta. Ele então vingou-se mandando raios ardentes. Mas os humanos continuaram a desconsiderá-lo. Então ele derramou sobre a humanidade uma quantidade tão grande de chuva que os afogou a todos, exceto alguns poucos, que ainda o procuravam. A esses ele mandou que subissem nos mais altos montes e se escondessem em cavernas e grutas.
“Quando a chuva cessou, ele disse-lhes que saíssem e fossem povoar a terra onde viveriam alegres e felizes. Estes foram, por sua vez, agradecidos aos montes, às grutas e aos outros esconderijos que eles começaram a venerar. E seus filhos os chamam de HUACA”.
 
Lopez de Gomara narra que “os homens que se refugiaram em certas cavernas das sierras muito altas, fecharam as entradas desses abrigos de modo que as chuvas ali não pudessem entrar. Eles colocaram no interior muita reserva de alimento e animais. Quando não ouvira mais cair a chuva, atiraram dois cachorro para fora. Eles voltaram sujos e molhados. Os homens compreenderam que as águas ainda não haviam baixado. Depois, eles atirara outros cachorros que voltaram sujos, mas secos, o que lhes indicou que as chuvas tinham por fim cessado e eles saíra de seus refúgios para repovoar a terra”.
 
As tradições URU, colhidas por Anello de Oliva, fazem alusão a um passado opulento “quando seus ancestrais habitavam a terra firme... Um castigo divino atingiu-os com um dilúvio que os obrigou doravante a viver sobre o lago Titicaca”.
 
Durante o dilúvio, conta o padre Cobo, o Sol escondeu-se sob um rochedo na ilha Titicaca, em companhia de alguns homens que ele quis proteger. Entre estes estava Manco Capac.
 
A lembrança de um dilúvio americano encontra-se igualmente na Amazônia. Os povos do Alto Napo contam a seus filhos que uma terrível inundação provocada pelo fechamento do curso do rio, formou um vasto mar interior, que fez desaparecer a árvore sagrada Sumaco, a mais alta da floresta. Os PAUMARI que habitam as margens do rio Purus, afluente do Amazonas, recordam-se de gigantesca tromba d’água que desceu das montanhas e fez perecer toda a humanidade. Somente os Paumari conseguiram escapar dela porque a tribo tem por costume viver constantemente sobre a água, a bordo de grandes jangadas de balsa que se elevaram com a corrente. Os MAYNA do rio Maranhão pretendem descender de um só casal que se salvou do dilúvio subindo aos galhos de um alto carvalho.
 
Os YUNGA da Bolívia contam que os deuses tinham proibido queimar as florestas que atapetavam o flanco da montanha. Mas procurando terras férteis, eles desobedecera... A espessa fumaça que coroou o fantástico incêndio cobriu o pico do Illimani e do Mururata. Viracocha, então, pediu que Kon desencadeasse uma chuva torrencial durante vários dias, destruindo as culturas, fazendo desabar as cabanas, apagando caminhos e tornando impossível toda comunicação com o alto planalto.
 
Baseado em texto de Simone Waisbard

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