domingo, 26 de fevereiro de 2012

YVY PURUÃ – O Umbigo do Mundo




Segundo a tese mais aceita, os Guarani são originários da Amazônia, de onde começaram a sair a uns 3 mil anos atrás, portanto, por volta do a no 1000 a.C.

Provavelmente desde o primeiro milênio antes de Cristo, uns 3000 ou 2.500 anos atrás, os movimentos de migração originados na bacia amazônica se intensificaram, motivados talvez por um notável aumento demográfico. Esses grupos que conhecemos como Guarani passaram a ocupar as selvas subtropicais do Alto rio Paraná, do rio Paraguai e do rio Uruguai médio. Essa área era basicamente o Paraguai. Ou melhor: o antigo Paraguai, bem maior que o país de hoje.

A caminhada da Amazônia ao Paraguai foi lenta, demorou uns 500 anos. Já que segundo Branislava Susnik e Gonzales Torres, a presença guarani em terras paraguaias foi datada em 500 a.C. aproximadamente.

Disputando e conquistando territórios, o povo passou a viver na região, transformando o Paraguai no centro do seu mundo. Ali era a sagrada YVY MBYTE (terra do centro, terra do meio, centro da terra) ou YVY PURUÃ (umbigo da terra), que ficava no atual Caagazú, fato que ainda hoje é mencionado até pelos Guarani que moram no litoral do Brasil.

O departamento de Caagazu localiza-se no sudeste do Paraguai e é curioso perceber que esta “terra do meio” fica justamente a 1/3 da distância entre Atlântico e o Pacífico, com uma mínima diferença de 50 km. Este “centro” dista cerca de 750 km do oceano Atlântico e 1.400km do oceano Pacífico.

Na mitologia, tal “centro” ou “meio da terra” em Caagazu seria também o local de origem de Ñandecy (“nossa mãe”, as vezes chamada de “nossa avó”). Um guarani contou a Cadogan: “O lugar onde originalmente viveu a nossa avó se chama o lugar das águas surgentes. Tal lugar é o centro da terra, o verdadeiro centro da terra”. Detalhe interessante: alguns estudiosos, como Meliá, supõem que ao falar de “águas surgentes” ele estejam se referindo ao Aquífero Guarani, o maior reservatório de água subterrânea do mundo, já conhecido pelos Guarani há centenas de anos.


Apesar da importância de Gaaguazu, existe um outro local com o mesmo papel. Fica mais acima, no leste, no departamento de Amambay. Trata-se do monte JASUKÁ RENDÁ, também chamado de Cerro Guazu. Esse local representa o centro do mundo para os guarani pai tavyterã. O nome desse grupo é justamente traduzido como “habitantes do centro da terra”.

O antigo território os pai tavyterã abrangia também parte do Mato Grosso do Sul. Ali ainda possuem aldeias e são conhecidos como KAIOWAS. Porém, desde a década de 1980 vem sendo vítimas do latifúndio, fazendeiros de soja que tomam suas terras e os expulsam, encurralando-os em áreas mínimias, muitas delas bem próximas a cidades. O afastamento de seu lugar tradicional e sagrado provocou, no fim dos anos 1980 e início dos 1990, uma tragédia entre os guarani kaiowas: um elevado número de suicídios. Hoje essas mortes diminuíram mas seus efeitos ainda permanecem.

No Paraguai, a cultura dos pai tavyterã parece concentrar-se, de alguma maneira, ao redor e a partir de montanhas e cerros. Dizem eles que seu mundo era delimitado por 11 cerros, os quais constituíam os marcos de um território chamado YVY MBYTE ou YVYPYTE que, como já vimos, significa “terra do meio” ou “centro da terra”. É interessante constatar que no departamento de Amambay, a uns 60 km da cidade de Capitán Bado, ainda existe um ponto chamado Yvypyte, que é ocupado por uma aldeia guarani. Também é interessante o fato de que o local onde constituiu-se Capitán Bado, bem perto do “centro da terra”, era chamado pelos guaranis de NHU VERÁ. Esta expressão quer dizer “campo brilhante”, “campo resplandecente”.


No campo de Nhu Verá existia uma enorme quantidade de pés de erva mate nativo, que – segundo os guarani – tinha sido plantado por Tupã. O mate (kaá) é uma das plantas sagradas dos Guarani, consumida até hoje em homenagem ao nascer do sol. E, no mito, ela tem ligação com Sumé, o personagem lendário que poderia ter construído o Caminho do Peabiru (que vai da costa atlântica de Santa Catarina) à costa pacífica do Peru e Chile.

No Jasuká Rendá encontramos, também, numerosas inscrições rupestres, ainda pouquíssimo estudadas. Por isso o monte é considerado pelos Guarani como a mais importante dos 11 cerros. Seu nome que dizer “Lugar de Jasuká”, que é uma divindade feminina, muitas vezes apresentada como esposa de Kuarahy, o Sol. Percebe-se, ai, a repetição dos laços de uma mulher sagrada com o “centro da terra”. Para alguns grupos guarani, trata-se de Ñandecy, para outros é Jasuká. Mas isso tem uma explicação: Jasuká seria um símbolo feminino, diz Cândida Graciela Chamorro Arguello no artigo “O rito de nominação numa aldeia mbyá-guarani do Paraná”, publicado na revista Diáloigos, da Universidade Estadual de Maringá – PR. “Jasuká é o nome sagrado das mulheres e do bastão de ritmo por elas usado nas cerimônias religiosas. É também o nome de uma divindade feminina, a Grande Avó do universo, de cujos seios teria se nutrido o criador do mundo”.

Existe, no entanto, mais um entendimento acerca de Jasuká, que conduz a uma relação com o Peabiru. Pois além de nome próprio de uma deusa, a palavra jasuká também pode ser um substantivo comum, porém com conotação religiosa, afirmam alguns estudiosos. Seria sinônimo de “grande névoa primigênia”, “neblina que é origem da vida”, segundo o etnógrafo paraguaio José Pertasso. Graciela Chamorro afirma algo igual em seu artigo: “A origem de Jaxuká remonta à origem de uma das substâncias elementares da natureza: a água. Por isso ela é representada pelo orvalho, pela fumaça, pela neblina, pela chuva e pela árvore sagrada, o cedro, que fala e destila sua água para saúde e reparo das pessoas. Por isso, na cerimônia de nominação dos Mbyá (quando as divindades dão nomes às crianças), a água e a fumaça são os símbolos mais importantes”.


Essa fumaça ou neblina estaria localizada numa terra sagrada, “terra do fluído indestrutível de Jasuká”, que fica no zênite, diz Perasso. O zênite, para os Guarani, é o “meio do céu”, o “centro do céu”, onde o Sol alcança o meio de sua caminhada diária. Como o Peabiru, para esse povo, parece ter possuído a finalidade de reproduzir na terra o caminho do Sol, leste-oeste, se poderia fazer uma “leitura” geográfica disso: o começo do caminho solar e do Peabiru seria o nascente (Atlântico); o meio seria o Paraguai (Caagazu e Jasuká rendá), o “centro da terra” e o “zênite”. O fim seria o poente (Pacífico).


Sem o sol, nada poderia viver ou crescer; ele rege ou cuida da terra, percorrendo com tal objetivo a sua trajetória cotidiana. Neste percurso, ele se detém um pouco em três pontos principais: no oriente, no zênite e no ocidente, a fim de ver tudo com exatidão. Esses pontos percorridos pelo Sol (e onde dá uma “paradinha” para ver tudo com exatidão) também forma percorridos pelos Guarani, que nos três também fizeram ou tentaram fazer suas “paradas”, com aldeias, ocupações fixas ou temporárias, etc. Seria coincidência ou os Guarani estavam querendo acompanhar o Sol?

Texto de Rosana Bond

Nenhum comentário:

Postar um comentário