sábado, 21 de maio de 2011

XAMANISMO KANELA


Os Kanela são um povo da família Macro-Jê, do Maranhão, compostos das cinco nações remanescentes dos Timbira Orientais, sendo a maior a dos Ramkokamekrá, descendentes dos Kapiekran (como eram conhecidos até 1820). O nome Kanela também era utilizado pelos sertanejos para os Apanyekráe e os Kenkateye, que foram massacrados e dispersos em 1913. Os Kenkateye separaram-se dos Apanyekrá por volta de 1860.

O grupo Ramkokamekrá atualmente se auto-denomina com o nome português Kanela. Ramkokamekrá significa "índios do arvoredo de almécega". É provável que o nome Kanela seja uma referência ao fato desses índios serem visivelmente mais altos - com suas longas pernas -, quando comparados pela população regional a seus vizinhos Guajajara.


O grupo Apanyekrá se auto-denominam como tal. São conhecidos pela bibliografia apenas por esse nome e suas variações ortográficas, ou ainda por Apanyekrá-Kanela. Apanyekrá significa "o povo indígena da piranha". Nimuendajú supõe que eram chamados por esse nome porque pintavam o maxilar inferior de vermelho, remetendo à imagem desse peixe carnívoro.


Segundo a tradição Kanela, depois da morte a alma vai para uma aldeia de almas em algum local a oeste, onde vive em condições similares à vida em uma aldeia, exceto porque as coisas são amenas e menos agradáveis. Por exemplo, a comida tem menos sabor, a água é morna mas não fria e o sexo menos prazeroso. Depois de certo tempo, os espíritos tornam-se animais de caça, em seguida animais menores e, mais tarde, algo como um mosquito ou um toco de árvore. Finalmente, deixa de existir.

Almas que ainda estão sob a forma humana podem ser contatadas por xamãs. Mas se porventura alguém mantiver contato com elas ficará seriamente doente ou mesmo morrerá. Os Kanela acreditam que se violarem determinadas regras (TABU), tais como ir ao mato durante a noite ou apanhar água do riacho depois do anoitecer, as almas podem pegá-los. De qualquer forma, as almas trazem prejuízos aos homens, e apenas os xamãs podem descobri-las.

Acredita-se que, tempos atrás, poderosos xamãs tinham extraordinário poder sobrenatural, essencialmente o de onisciência - o conhecimento e a antevisão de tudo. Isso, no entanto, só era possível mediante a ajuda das almas (os recém-mortos), que em sua maioria foram grandes xamãs enquanto vivos. Os bons xamãs convocam uma alma que lhes diz tudo o que precisam saber. Por exemplo, se falece o recém-nascido de uma mulher, o xamã é capaz de dizer porque isto aconteceu, o que costuma ser atribuído à ingestão de alimentos "carregados" e, conseqüentemente, poluídos. Algumas almas teriam visto e contado a outros, que, por sua vez, reportariam o fato ao xamã interessado. O diagnóstico do xamã é definitivo, mesmo que a mãe tenha uma outra versão. A decisão dele jamais é contestada.

Os xamãs não competem por poder com os chefes políticos. Muitos chefes já tiveram algum poder xamânico, porém nunca à altura de um bom xamã. Raras vezes mulheres tornam-se xamãs, mas, nos anos 1970, havia várias mulheres xamã e duas, no mínimo, estão exaltadas na mitologia.

Os xamãs curam os pacientes através da extração da doença ou poluição, e são remunerados apenas quando bem sucedidos. Há também xamãs anti-sociais, os quais podem jogar feitiços ruins, que entram no corpo como doenças. Outros xamãs lutam para tirar os feitiços, procurando devolvê-los ao emissor. Antigamente, um xamã anti-social, acusado de homicídio por feitiço pelo conselho da aldeia, era golpeado com bastões até a morte. A última vez que isso aconteceu foi por volta de 1903.

Submeter-se a restrições alimentares e sexuais é um instrumento para que o indivíduo se torne forte em caráter e habilidade, e para que possa desenvolver, através de esforço pessoal, as habilidades para as carreiras principais - caçador, corredor ou xamã -, mas não para dançar e cantar com o maracá.

Os Kanela acreditam que a poluição penetra pelo corpo através da ingestão de caldos de carne e por meio do contato dos fluídos sexuais. Tais poluições não afetam uma pessoa saudável, porém enfraquece os poderes de um guerreiro, caçador, corredor ou xamã. No entanto, se um indivíduo está doente, ou fraco, como é caso de um bebê, poluições comuns podem torná-lo mais doente, ou até mesmo matá-lo. Os Kanela acreditam que o sangue dos pais, irmãos uterinos e filhos de um indivíduo é muito parecido com o seu próprio. Assim, essa família nuclear está tão inter-conectada que a poluição de um de seus membros poder afetar os outros. Se eles já estão em situação mais vulnerável, essas poluições suplementares podem adoecer ou matar o indivíduo. Quando, então, uma pessoa tem um dos integrantes de sua família nuclear adoecida, ela precisa submeter-se a restrições alimentares e sexuais para ajudar na recuperação do doente.

Um indivíduo torna-se xamã depois de receber a visita de uma ou várias almas, por ocasião de uma doença grave, quando as almas vêm para curar o moribundo. Um jovem que quer se tornar xamã deve submeter-se a um intensivo processo de restrições alimentares e sexuais, para impedir a entrada de elementos contaminadores em seu corpo. Ele pode, também, ingerir determinadas infusões de ervas para eliminar a poluição. As almas são atraídas pelo indivíduo mais livre de poluição. Quando as acham, fazem-lhe uma visita e dão-lhe os poderes para ser um xamã. Geralmente os poderes são específicos para curar certas intrusões corporais, como a picada de cobra, mas, para os grandes xamãs, tais poderes têm aplicações mais gerais.

Em resumo, os Kanela possuíam, tradicionalmente, diversas formas para fortalecer suas condições de vida. Primeiro, os xamãs podem comunicar-se com almas quando necessitam de informações e poderes. Segundo, uma fonte de força em geral provém do canto de determinada canção mediante festivais particulares. Terceiro, um Kanela pode manter restrições alimentares e sexuais para manter a poluição afastada do seu corpo e, assim, alcançar determinadas capacidades. Quarto, também é possível cheirar certas infusões para aumentar as habilidades de caçador e melhorar as condições de saúde em geral.

O grupo Ramkokamekrá acreditam que os xamãs do grupo Apanyekrá são mais poderosos como curadores, tanto que freqüentemente os procuram. Em meados dos anos 1970, o universo dos espíritos e dos perigos das poluições tinha mais crédito entre os Apanyekrá que entre os Ramkokamekrá, e aqueles também respeitavam mais seriamente as restrições. Desde 1830, os Kanela vêm partilhando de crenças e práticas do catolicismo popular. A partir de 1970, veio crescendo o número de Ramkokamekrá que se dizem "crentes" (protestantes), em 1993 chegou a 25% da população, mas em 2001 foi reduzido a 15%. Diferentemente, os Apanyekrá sempre tiveram menos contato com protestantes.

Baseado em texto de http://pib.socioambiental.org

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