sábado, 4 de setembro de 2010

MORAL GUARANI

Muita gente, por ignorar a cosmovisão Guarani, se pergunta várias vezes “por que eles não trabalham como nós” ou “por que não constroem como nós”. Mas essas questões – e suas respostas – passam pela questão filófico-religosa.

O Guarani tem uma concepção muito espiritual da vida. Ele não vem à terra para viver eternamente; é um simples transeunte em direção a outra meta. Por essa razão, para o Guarani a terra, os animais, os vegetais, os minerais, enfim, toda a natureza não tem dono!

O Guarani vem ao mundo para buscar uma perfeição, um estado de plenitude – o AGUYJE. Para isso ele deve conviver harmonicamente com seus semelhantes e com a natureza que o rodeia. Deve usar a natureza racionalmente, pensando fraternal e solidariamente com todos os demais. Na natureza, cada componente tem um JARÝI ou PÓRA (gênio protetor) que se manifestam para advertir ou punir os que ousarem abusar da natureza. Por exemplo, quem mata vinte pássaros quando precise de apenas um para alimentar-se e à sua família, ou para dar a algum ancião.

O uso da natureza não deve levar ao seu esgotamento. Ao primeiro sinal disso, o Guarani parte em busca de uma terra nova, fértil, virgem, não explorada ainda – a yvy marã’ÿ. Assim, o lugar abandonado terá tempo para se regenerar e servir a outros. Esta é a razão fundamental do constante peregrinar Guarani. Em princípio, o indígena se dedicará à simples coleta (po’o – “po” = produto; “o” = extrair, pegar). O nomadismo não tem sua causa unicamente na necessidade de migrar após o falecimento de algum líder “cuja alma ficará rondando e prejudicando naquele lugar, como muitos pensam. Sua motivação fundamental é a necessidade do yvy marã’ÿ. Recordamos que eram comum o culto dos ossos – Léon Cadogan informa muito bem isso em seu livro “Ayvu Rapyta”:os indígenas recuperam os ossos de seus mortos e os levam consigo, frequentemente fazendo-lhes oferendas, cantos e danças (ñembo’e jeroky), inspirados no mito de PA’I RETE KUARAY.

Outro sinal dessa consciência de que a vida terrena é passageira, é o fato de os indígenas não dão seu nome a lugares – costume comum entre os ocidentais, que dão nome a cidades, ruas, etc. Pelo contrário, eles tomam seu nome da natureza. O indígena é um profundo protetor e conhecedor da natureza. Sua vida só tem sentido dentro da natureza que o rodeia; fora desse âmbito, nada faz sentido para ele.

Quando à religião, podemos ressaltar que ela é o centro de onde emanam todos os comportamentos e a cultura indígenas. Os Mby’a crêem em ÑANDE RU TENONDE (nosso pai primeiro) e veneram ÑANE RAMÓI PAPA (nossos antepassados). Essa concepção de um Pai Primeiro é algo notavelmente chamativo, que nem todas as culturas originais chegaram a desenvolver. O Deus dos Guarani criou o universo, a terra, os animais, os vegetais, minerais, o ser humano e tudo o que existe a partir de seu amor. Mas primeiro criou o fundamento da linguagem humana: a PALAVRA (ñe’e). Pois só com ela é possível criar o HINO SAGRADO (ñe’e porã tenonde). Assim as características fundamentais de Ñanderu são o amor, a palavra e o hino sagrado. Por isso a PALAVRA tem um valor imenso para os Guarani.

Por outro lado, a busca da aguyje passa pelo TEKOKATU, ou seja, a vida plena. O indígena busca o tekokatu através de exercícios morais e físicos e a convivência harmônica com a natureza. A palavra “katu” (ngatu) é, também, uma unidade de medida para avaliar o alcance da civilização guarani. Katu quer dizer “perfeito”. O Guarani, portanto, tem a noção de “perfeito” e de “perfeição”, que nem todas as culturas originárias desenvolveram.

Além do tekokatu, o indígena chega à aguyje pela TEKOJOJA (vida justa, igualitária) que só é possível através da vivência de JEKUPYTY (solidariedade).

Só quem conhece o mundo profundo dos Guarani pode avaliar o extraordinário grau dessa civilização. O que explica porque, 500 anos depois da chegada dos europeus aqui, a palavra Guarani continua viva e falada pela maioria das pessoas do cone sul, sobretudo.


Texto de ATENEO DE LENGUA Y CULTURA GUARANI

Um comentário:

  1. "O uso da natureza não deve levar ao seu esgotamento. Ao primeiro sinal disso, o Guarani parte em busca de uma terra nova, fértil, virgem, não explorada ainda."

    Um pensamento bem coerente!

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