segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

TESTEMUNHO ASTECA

Isso tudo se passou conosco.
Nós vimos, estamos estupefatos:
com essa triste e lamentosa sorte nos vimos angustiados.

Nos caminhos jazem dardos quebrados;
os cabelos estão espalhados.
Destelhadas estão as casas,
incandescentes estão seus muros.
Vermes abundam por ruas e praças,
e as paredes estão manchadas de miolos arrebentados.
Vermelhas estão as águas, como se alguém as tivesse tingido,
e se as bebíamos, eram águas de salitre.
Golpeávamos os muros de adobe em nossas ansiedade
e nos restava por herança uma rede de buracos.
Nos escudos esteve nosso resguardo,
mas os escudos não detêm a desolação.
Temos comido pães de colorín (árvore venenosa)
temos mastigado grama salitrosa,
pedaços de adobe, lagartixas, ratos,
e terra em pó e mais os vermes.


O pranto se alonga, as lágrimas gotejam ali em Tlatelolco.
Já se foram mexicanoss navegando;
assemelham-se a mulheres; a fuga é geral.
Aonde vamos? Ó amigos! Logo, foi verdade?
Já abandonaram a cidade do México;
o fumo está se levantando; a névoa está se estendendo...
Com pranto se saúdam o Huiznahuácatl Motelhuihtzin,
o Tlailotlácatl Tlacotzin,
o Tlacatecuhtli Oquihtzin...
Chorai, amigos meus,
entendei que, com estes fatos,
perdemos a nação mexicana.
A água se azedou, azedou a comida!
Isto é o que fez o Doador da vida em Tlatelolco.
Sem respeito são levados Motelhuihtzin e Tlacotzin.
Com cantos se animavam uns aos outros em Acachinanco,
ah, quando foram postos à prova lá em Coyocan...

Fragmento de manuscrito de 1523, da Biblioteca Nacional do México,
recordando dramaticamente a forma pela qual se perdeu a antiga nação mexicana.
Tradução de Miguel León-Portilla

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