terça-feira, 28 de julho de 2009

SUMAC KAWSAY

Talvez por ser brasileiro, ao ouvir pela primeira vez a expressão BUEN VIVIR pense logo em “BOA VIDA”, que no nosso país significa pejorativamente vida fácil, tranqüila e sem preocupação com coisa alguma. Nada de trabalho, muitos passeios e luxo à custa de outrem e consciência política zero.

Esta completamente enganadao. O buen vivir não significa nada disso. Muito pelo contrário, o buen vivir é, de acordo com os povos indígenas da região andina, especialmente os aymaras, um forte princípio que significa vida em harmonia e equilíbrio entre homens e mulheres, entre as comunidades e, sobretudo, entre os seres humanos e a natureza, já que eles são parte dela. A prática deste conceito naturalmente implica em saber viver em comunidade, alcançar condições mínimas de igualdade, eliminar o preconceito e a exploração e respeitar a natureza preservando seu equilíbrio.

Sendo assim, percebe-se claramente que a cultura em que estamos inseridos não tem nada do “buen vivir”. Estamos em total desequilíbrio conosco e com a natureza quando compramos mais do que precisamos; quando exploramos a terra, a água e as próprias pessoas sem remorsos; quando visamos o lucro astronômico, que na maioria das vezes beneficia apenas uma só pessoa ou um pequeno grupo.

Avançam as tecnologias e o conforto aumenta a cada dia, mas isso é apenas para poucas pessoas. Para a maioria, avança a pobreza e aumenta a cada dia a exploração, o preconceito, a competição e o individualismo. Essa é a lógica do sistema em que vivemos. E definitivamente não estamos no “buen vivir”.

Por outro lado, os noticiários nos mostram a toda hora o agravamento da crise financeira mundial, a queda do dólar, o mercado de valores negociando riquezas que sequer existem, o aquecimento global, o risco da falta de água... Enfim toda hora nos noticiam o fracasso desse sistema.

E, diante disso, é irônico ouvir que os indígenas são selvagens e têm um modo de vida atrasado e primitivo. Como? Se sempre souberam viver em comunidade; produzir apenas o suficiente para o consumo; conviver bem com a natureza e com os seus semelhantes; alimentarem-se principalmente de frutas, legumes e outros vegetais e conhecem como ninguém os segredos da floresta e da medicina natural? Além disso, viveram milhares de anos na América antes dela ser “descoberta” de maneira sustentável, mesmo sem saber o que significa ‘sustentabilidade’. Será que isso é ser selvagem?

Justamente, o buen vivir foi bastante defendido nesta 9ª edição do Fórum Social Mundial que aconteceu na Amazônia, em Belém do Pará, centro da Amazônia brasileira. Para quem esteve no Fórum, sem dúvida nenhuma a participação dos povos indígenas da América Latina marcou muito. E não foi só pelos rituais, pelas músicas, pela pintura corporal, pela pele avermelhada e pelo colorido das suas vestes. Foi pela consistência do discurso e a coragem de defender o que acreditam, o “buen vivir”.

E o SUMAC KAWSAY ou BUEN VIVIR já é um conceito incorporado no debate da Assembléia constituinte do Equador. O "buen vivir" também está garantido na nova constituição da Bolivia, aprovada recentemente por meio de Referendo. O “buen vivir” foi a marca desse Fórum Social Mundial. Talvez esse seja o começo do novo mundo possível.


Texto de Cecilia Bizerra

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